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Attribution-NonCommercial-ShareAlike 2.0
Autor:
magnacasta
O fim do Verão e o início do Outono é
sinónimo de colheitas e em Portugal abre-se a época das vindimas: as uvas estão
prontas para serem colhidas das videiras, num trabalho realizado em ambiente de
festa e convívio, para depois produzir o vinho do ano. Uma tradição portuguesa
que, apesar de modernizada em alguns aspetos, ainda é o que era.
Época das vindimas
As vindimas representam uma época do
ano singular em Portugal que abrange todas as atividades que decorrem entre a
apanha da uva e a produção do vinho. Depois da poda em Janeiro, dá-se a
formação dos cachos na Primavera e é durante o Verão que as uvas ganham cor,
aroma e paladar. Entre Setembro e o Outubro, quando as uvas já se apresentam
maduras, ou seja, quando o seu peso, cor e acidez apresentam as condições
ideais para a produção do vinho, decorrem as vindimas. Apesar das várias
técnicas introduzidas pelos enólogos de hoje, continua a ser perfeitamente
possível determinar a melhor altura para se vindimar através de um simples e
tradicional método popular: quando os pés das uvas estiverem murchos e as peles
dos bagos começarem a contrair.
Junta-se depois um grupo de pessoas que, numa
manhã, vindimam os cachos, apanhando-os à mão ou utilizando uma tesoura de
apoio para rapidamente os cortar. O acondicionamento das uvas exige sempre um
grande cuidado e o transporte para a adega deve ser o mais imediato possível,
pois as uvas amassadas, juntamente com o calor que pode ainda marcar a época
das vindimas, pode levar a uma fermentação prematura das uvas. Na adega, as
uvas são depositadas num pegão e/ou selecionadas a partir de um tapete rolante;
segue-se o desengaçamento das uvas e o seu esmagamento, do qual resulta o
mosto; o mosto, por sua vez, é fermentado e assim transformado em álcool; no
final do processo de fermentação, o vinho é armazenado em depósitos de madeira,
cimento ou inox até estar próprio para consumo; segue-se o engarrafamento,
distribuição e consumo.
As vindimas ontem
As vindimas são um verdadeiro marco
da etnografia portuguesa e, em tempos passados, o trabalho da colheita das uvas
era visto, sobretudo, como uma autêntica celebração. Familiares e amigos
reuniam-se no dia designado para as vindimas – cada um combinando datas
diferentes para que o grupo pudesse ajudar nas vindimas uns dos outros – e o
trabalho começava bem cedo com os homens carregando escadas de madeira às
costas para se chegar a todos os cachos e as mulheres com os cestos de vime,
onde seriam transportadas as uvas, na cabeça. As crianças e os idosos
acompanhavam de perto cada minuto das vindimas, ajudando sempre que podiam.
E
porque se tratava de uma verdadeira celebração, as vindimas decorriam ao som
dos ranchos folclóricos que seguiam para as terras em ritmo de cortejo. Os
trajes típicos emprestavam ainda mais cor ao cenário das videiras pesadas com
deliciosas uvas e ao chilrear dos pássaros juntavam-se as músicas tradicionais
das vindimas, acompanhadas pelos bombos, concertinas, ferrinhos e braguesas.
A
meio da manhã parava-se para petiscar qualquer coisa e ganhar força para
continuar, sendo os homens a carregar os cestos de vime já repletos de uvas até
aos carros de bois, enquanto as mulheres não deixavam escapar nem um cacho das
videiras. O descanso merecido depois de uma manhã inteira a vindimar acontecia
durante um almoço prolongado, sempre em ambiente de festa. Ao anoitecer, as
vindimas e as celebrações continuavam nos lagares onde os homens, de calções ou
calças arregaçadas, formavam uma roda, davam os braços e ao ritmo da música
pisavam as uvas colhidas de manhã.
As vindimas hoje
Embora sem os contornos de festa de
tempos passados, as vindimas de hoje continuam a aliar uma forte componente de
convívio ao seu trabalho incontornável. Continua-se a reunir família e amigos
em torno deste ritual anual onde, numa manhã de fim de semana, com tesouras na
mão e cestos ou caixas aos seus pés, se recolhem cuidadosamente os cachos de uvas.
A pausa a meio da manhã mantém-se e concluído o trabalho, o tradicional almoço
é aproveitado para descansar e pôr a conversar em dia.
Os carros de bois deram
lugar aos tratores e depois de colhidas as uvas, outrora levadas para os
lagares para serem pisadas, seguem para as adegas onde, com recurso a
equipamentos mecânicos, serão transformadas em vinho. Atualmente procura-se
manter esta tradição – nem que em alguns locais se tenha de proceder ao
recrutamento de mão-de-obra sazonal – porque as vindimas são essenciais para
assegurar a produção do já mundialmente famoso vinho português. Acima de tudo,
uma manhã passada ao ar livre, a colher os frutos da Mãe Natureza, em boa
companhia, é algo que muitas pessoas aguardam ansiosamente todos os anos,
principalmente aquelas que vivem os seus dias nas grandes cidades.
De norte a sul do país
Embora seja uma atividade típica do norte de
Portugal – nomeadamente na região do Douro – a verdade é que as vindimas também
se realizam em várias outras regiões do país, arquipélagos incluídos. As
diferentes regiões (Beiras, Litoral, Alentejo, Madeira…) contribuem assim para
o cultivo de castas distintas (tinto e branco) e, consequentemente, para vinhos
distintos, aumentando assim o espólio riquíssimo de vinhos de qualidade com o
selo português. Independentemente da região, as vindimas são um evento
importante no calendário das colheitas anuais e um dia vivido em pleno. Resta
depois esperar pelo S. Martinho, em Novembro, para juntamente com um prato de
castanhas fumegantes, servir e provar o vinho novo.
Clube de vinhos